Publicado em: 14 de março de 2023 Atualizado:: março 14, 2023
O pacote apresentado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) para melhorar as contas públicas completou nesta semana dois meses desde o anúncio em meio a dificuldades de articulação do governo. Os problemas vêm gerando alertas à equipe econômica quanto aos riscos de desidratação das medidas no Congresso —e a consequente frustração da melhora das contas públicas prometida pelo ministro.
As dificuldades nas negociações ocorrem em um momento considerado crucial para Haddad, já que o governo apresenta neste mês a proposta de regra para substituir o teto de gastos —que também depende de aprovação dos parlamentares. O tema é um dos mais aguardados pelo mercado, por interferir de forma direta nas expectativas quanto à sustentabilidade fiscal do país ao longo dos próximos anos.
O cenário é observado em meio à tentativa de o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) formar uma base sólida de apoio no Legislativo, em especial na Câmara dos Deputados. Até o momento, o petista tem apoio firme de menos da metade do total de integrantes da Casa.
Parlamentares ouvidos pela Folha reconhecem a atuação do ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) nas negociações, em movimentos como encontros com bancadas, liberação de emendas e nomeações nas estruturas de governo. Mesmo assim, avaliam que é preciso dar mais celeridade ao processo.
Entre os itens do pacote apresentado por Haddad em 12 de janeiro, o que mais gera apreensão no momento é a MP (medida provisória) que restabelece o chamado voto de qualidade do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) —tribunal administrativo que julga conflitos tributários entre contribuintes e a Receita Federal. O instrumento faz com que, em casos de empate, um representante do governo decida sobre o tema.
Diante do risco de derrota, o governo já havia costurado um novo texto em acordo com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Mas o assunto não é dado como encerrado por deputados, e no próprio Ministério da Fazenda há dúvidas quanto à aprovação da medida nos moldes negociados.
As MPs do governo têm força imediata de lei, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso em até quatro meses —caso contrário, perdem a validade.
À Folha, líderes afirmam, sob reserva, que causou mal-estar o Congresso ter sido alijado das negociações entre governo e OAB, e dizem que é preciso discutir outros pontos da MP. Do jeito que está, dizem, ela será derrubada.
Até mesmo deputados da base do governo apresentaram emendas para acabar com o voto de qualidade do Carf. Eles defendem que, em caso de empate no julgamento, o resultado seja favorável ao contribuinte (como funciona desde 2020).
“O equilíbrio das contas públicas caminha, necessariamente, pela reorganização de despesas obrigatórias, redução de subsídios e incentivos fiscais setoriais e na instituição de arcabouço fiscal saudável. Não é medida adequada ao fim desejado —aumento de arrecadação— o retorno do voto de qualidade pró-Fisco”, disse o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), vice-líder do governo, em emenda apresentada contra a MP (na verdade, o voto de qualidade pode ser tanto pró-Fisco como pró-contribuinte).
Um cacique do centrão afirma, no entanto, que há margem para diálogo com o Executivo na tentativa de se encontrar um meio termo.
Segundo relatos, o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ficou insatisfeito por ter sido escanteado nas negociações sobre a MP. Em conversas com aliados, Lira disse que o acordo não deve ser levado em consideração pelo Congresso, que tem autonomia para decidir o tema.
O presidente da Câmara também deixou clara sua insatisfação em reunião com o secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, na semana passada.
Ciente dos problemas na relação, o presidente Lula se reuniu com Lira na última quinta-feira (9) e, segundo participantes do jantar, disse que todos os ministros do governo estão à disposição para conversar e esclarecer todos os assuntos.
Apesar dos impasses e diante da falta de base parlamentar aliada ao governo, o presidente da Câmara está dando tempo para o Planalto se organizar na Casa. Ele tem colocado pautas menos polêmicas para votação no plenário e intermediou acordos de interesse do governo para a distribuição das comissões.
Lideranças parlamentares, no entanto, avaliam que a boa vontade de Lira pode se esgotar em breve, e as primeiras derrotas para o governo podem sair entre março e abril.
Em encontro com empresários na segunda passada (6), o presidente da Casa disse que Lula não tem votos no Congresso para aprovar reformas econômicas. Ele afirmou que o petista precisa de tempo para se estabilizar internamente, organizar uma base parlamentar e encontrar um rumo para tocar suas pautas.
“Teremos um tempo também para que o governo se estabilize internamente. Porque hoje o governo ainda não tem uma base consistente, nem na Câmara, nem no Senado, para enfrentar matérias de maioria simples –quanto mais matérias de quórum constitucional”, disse Lira.
“Temos um governo que foi eleito com margem de votos mínima e que precisa entender que temos Banco Central independente, agências reguladoras, Lei das Estatais e um Congresso com atribuições mais amplas e que isso precisa ser negociado com bom senso, muita conversa, amplitude, clareza, mas com rumo, rumo que precisamos definir agora em março”, afirmou.
Por outro lado, parlamentares afirmam ainda que outro impasse a ser superado e que incide no andamento das matérias de governo gira em torno da disputa entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre o retorno das comissões mistas que analisam as MPs.
Desde fevereiro, Pacheco articula com lideranças partidárias o retorno das comissões mistas. A medida agrada senadores, que têm reclamado que recebem as medidas com pouco tempo para análise, perto de caducar, com a demora da Câmara em votar as propostas.
O presidente da Câmara, no entanto, é contrário ao retorno de imediato. Parlamentares afirmam que a cúpula da Câmara defende que as comissões sejam instaladas somente em agosto.
Na prática, essa estratégia dá mais poder a Lira, que mantém a indicação dos relatores das medidas provisórias e define o ritmo das votações.
Como a Folha mostrou, o impasse foi tratado em reunião entre Lula e Lira na quinta. O governo tem interesse em superar essas divergências.
Dentre as MPs assinadas por Haddad há dois meses, também corre risco de ser derrubada a que transfere o Coaf (Controle de Atividades Financeiras) do Banco Central para o Ministério da Fazenda.
A MP dos combustíveis também pode ser modificada, o que, conforme mostrou a Folha, já fez o governo traçar a estratégia de postergar ao máximo sua votação.
Se uma MP não for aprovada no prazo de 45 dias, tranca a pauta de votações da Casa em que se encontra até que seja votada ou perca sua validade.
A última MP, mais consensual, exclui o ICMS da base de cálculo dos créditos de contribuição para o PIS e Cofins.
O governo depende do Congresso para garantir quase metade do pacote fiscal de Haddad (que geraria R$ 242 bilhões em melhora para as contas públicas caso fosse integralmente implementado).
De acordo com a Fazenda, as alterações no Carf geram um total de R$ 50 bilhões neste ano. O aproveitamento de créditos do ICMS, R$ 30 bilhões. E a MP que reonera os combustíveis, R$ 28 bilhões.
O governo pretende, com as medidas, diminuir o déficit primário de 2023, estimado inicialmente em 2,16% do PIB (Produto Interno Bruto), para menos de 1%.
Victoria Azevedo e Cézar Feitoza/Folhapress
Últimas notícias