Publicado em: 9 de fevereiro de 2021 Atualizado:: fevereiro 9, 2021
A cura da Covid-19, a doença causada pelo coronavírus Sars-CoV-2, pode ser um processo que se estende para muito depois do final da fase aguda da infecção. Mesmo após o vírus deixar o organismo, podem permanecer sequelas espalhadas por órgãos como coração, pulmão e cérebro por meses até em pessoas que tiveram as formas mais leves da doença.
Médicos de diferentes especialidades vêm sugerindo uma visita ao médico logo após o fim da infecção para checagem de sequelas e busca por tratamento, principalmente quando há sintomas persistentes ou antes de reiniciar uma atividade física.
Estudos no mundo todo vêm avaliando o cenário pós-Covid-19. As estimativas dos cientistas apontam que apenas uma porcentagem entre 10% e 20% dos pacientes relatam recuperação completa nos primeiros meses após a infecção. Cerca de metade das pessoas que tiveram Covid-19 dizem ainda sentir fadiga incomum nos meses posteriores. Sintomas como dor de cabeça, dores no peito, falhas na memória e perda do olfato (anosmia) também aparecem e podem até indicar uma condição crônica, segundo médicos.
“Todos os pacientes deveriam procurar um médico após a doença. Cada pessoa tem um ritmo de vida e hábitos diferentes; é importante saber se há alguma sequela antes de retomar a vida normal. Há pessoas que ficam com alguma inflamação que pode durar meses”, diz o cardiologista Marcelo Sampaio, da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
De acordo com Gustavo Faibischew Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a melhor opção é procurar um clínico geral ou um médico da família, profissionais que conseguem fazer uma avaliação global e encaminhar o paciente para as especialidades necessárias caso haja necessidade de avaliação complementar.
“Assim, o paciente recebe orientações sobre os cuidados que deve ter e sabe se precisará fazer algum exame para confirmar existência das sequelas e conhecer a extensão delas”, diz o médico.
A Covid-19 hoje é reconhecida pelos médicos e cientistas como uma doença sistêmica, que desencadeia diversos processo inflamatórios em diferentes regiões do corpo. Os pulmões estão entre os órgãos mais afetados pelo vírus. O coronavírus pode levar a uma pneumonia que causa morte por insuficiência respiratória nos casos mais graves.
Segundo Prado, a avaliação física de um pneumologista vai apontar para a necessidade ou não de exames mais detalhados. Nesses casos, tomografia do tórax, ecocardiograma pulmonar e a prova de função pulmonar ajudam a montar um tratamento para o problema.
“A tomografia, por exemplo, mostra se há sinais de fibrose no pulmão [cicatrizes que surgem depois de uma infecção] e mostram a presença de doenças das vias aéreas, que podem ser a causa de tosse prolongada ou cansaço”, diz o pneumologista.
No coração, arritmias e insuficiência cardíaca inexistentes antes da doença podem surgir após a infecção. “Se o paciente passou por uma Covid-19 e tem fadiga, cansaço ou palpitação, o recomendado é passar por uma avaliação mesmo se a pessoa teve um quadro leve da doença”, afirma o cardiologista Fernando Bacal, diretor-científico da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Segundo o médico, aqueles que tiveram casos moderados ou graves da doença devem passar por uma avaliação ainda que não tenham sintomas.
“Consequências mais graves, como morte súbita, infarto, disfunção ou insuficiência cardíaca são pouco frequentes, mas devem ser detectadas”, afirma Bacal.
De acordo com Marcelo Sampaio, da BP, algumas das sequelas podem existir sem serem notadas, daí a importância de buscar um parecer médico especialmente antes de retornar às atividades físicas, que expõem o coração a um maior esforço.
Sintomas como dor de cabeça, sonolência excessiva e perda de memória podem estar ligados à ação do vírus no sistema nervoso e pedem a atenção de um neurologista.
A médica Clarissa Lin Yasuda, professora na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), lidera uma pesquisa que busca identificar a persistência de manifestações neurológicas após a Covid-19 por meio de um questionário que pode ser respondido pela internet por qualquer pessoa que tenha tido a doença, mesmo sem sintoma persistente.
De acordo com os dados ainda não publicados em revista científica, das cerca de 4.500 pessoas que responderam a pesquisa, apenas 13,5% afirmam ter se recuperado completamente da doença após dois meses da infecção. Sonolência diurna e dores de cabeça depois de dois meses da doença são sentidas por aproximadamente 34% das pessoas que responderam o questionário. Cerca de 40% afirmam ter alteração de memória.
“Milhares de pessoas têm entrado em contato para relatar algum sintoma neurológico, e isso é assustador, especialmente porque 90% desses respondentes não chegaram a ser hospitalizados com a doença, tiveram casos leves.”
“A dor de cabeça é muito limitante. Há relatos de pacientes que não tinham enxaqueca e passaram a ter, ou de pacientes que já tinham enxaqueca e tiveram piora na frequência e na intensidade das crises. Mesmo a fadiga, com sonolência, pode ter um fundo neurológico”, afirma a médica.
“A cada momento descobrimos fatos novos sobre a doença, e o cenário vai mudando ao longo da observação. É uma doença repleta de formas alternativas, e no contexto geral pode ser como várias doenças em uma só”, diz Sampaio.
O ideal é que o acompanhamento seja integral. “Especialmente o cansaço e a falta de ar podem ter mais de uma causa em mais de um órgão. Doenças respiratórias e cardiovasculares também podem ter causas variadas, e a Covid-19 traz repercussões para os sistemas cardíaco e respiratório. A avaliação, nesses casos, nunca pode ser simplista”, afirma Gustavo Prado.
“Quando falamos de pacientes curados, isso não é algo binário –ou o paciente está doente ou está curado–, há todo um contínuo entre esses dois pontos. Muitas vezes, a recuperação não será imediata nem completa. Podemos enfrentar a situação de termos um enorme contingente de pacientes que não se recupera plenamente ou rapidamente, e o sistema de saúde deve estar preparado para isso”, diz o pneumologista. Fonte: Bahianoticias